Sunday, June 27, 2010

O Homem

Um cientista vivia trancado em seu laboratório, procurando respostas para os problemas do mundo.
Certo dia, seu filho de sete anos invadiu sua sala, decidido a ajudá-lo. Impaciente, o cientista pediu que o filho fosse brincar em outro lugar, no entanto, sem sucesso.
Então procurou algum objeto que pudesse entreter a curiosidade do menino, logo encontrando o mapa-múndi impresso na página de uma revista.
Recortou o mapa em vários pedaços, pegou um rolo de fita adesiva e entregou tudo ao filho, dizendo:
- Você gosta de quebra-cabeças?
Então vou lhe dar o mundo, todo quebrado, para consertar. Veja se consegue fazer tudo direitinho.
Calculou que a criança levaria dias para recompor o mapa.
Porém, algumas horas depois, ouviu a voz do filho:
- Pai, pai, já fiz tudo. Consegui terminar tudinho!
Incrédulo, o cientista levantou os olhos de suas anotações, certo de que veria uma mapa sem sentido. Mas, para sua surpresa, o mapa estava completo, com tudo em seus devidos lugares.
- Você não sabia como era o mundo, meu filho. Como conseguiu?
- Pai , eu não sabia como era o mundo, tentei consertar, mas não consegui.
Mas quando você tirou o papel da revista para recortar, eu vi que, do outro lado, havia a figura de um homem. Então lembrei disso, virei os recortes e comecei a consertar o homem que eu sabia como era. Quando consegui consertar o homem, virei a folha e vi que havia consertado o mundo.

Wednesday, June 02, 2010

Flor do valão


A Flor e A Náusea (Carlos Drummond de Andrade)
Preso à minha classe e a algumas roupas,
vou de branco pela rua cizenta.
Melancolias, mercadorias, espreitam-me.
Devo seguir até o enjôo?
Posso, sem armas, revoltar-me?

Olhos sujos no relógio da torre:
Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
O tempo pobre, o poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse.

Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
Sob a  pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que triste são as coisas, consideradas em ênfase.

Vomitar este tédio sobre a cidade.
Quarenta anos e nenhum problema
resolvido, sequer colocado.
Nenhuma carta escrita nem recebida.
Todos os homens voltam pra casa.
Estão menos livres mas levam jornais
e soletram o mundo, sabendo que o perdem.

Crimes da terra, como perdoá-los?
Tomei parte em muitos, outros escondi.
Alguns achei belos, foram publicados.
Crimes suaves, que ajudam a viver.
Ração diária de erro, distribuída em casa.
Os ferozes padeiros do mal.
Os ferozes leiteiros do mal.

Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.
Ao menino de 1918 chamavam anarquista.
Porém meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salvo
e dou a poucos uma esperança mínima.

Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.

Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.

Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens macias avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.