Wednesday, April 20, 2011

Cora Rónai, falou e disse

"O fundo do poço é igual à boca do poço, só que é diferente. No fundo do poço tudo parece continuar na mesma. Os dias se sucedem, os problemas e os livros na mesinha de cabeceira se acumulam, as contas chegam, o elevador para para manutenção, chove e faz sol como a meteorologia é servida. A aparência de normalidade é tão angustiante que dá vontade de gritar. Para quem está no fundo do poço, “normalidade” é um estado que não existe.
Problemas e contratempos que, na superfície, têm enorme significado, passam a acontecer num universo paralelo, sem substância. No fundo do poço nada tem importância além do que realmente importa: a pedra no peito, o medo de pensar, o pavor do silêncio, a ausência de sinais de vida verdadeira.
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O ar é pesado no fundo do poço, mais ou menos como a água que, em mergulhos profundos, é tão pesada que achata as bolhas de ar. Quem já esteve no mar sabe como é. É por isso que, no fundo do poço, às vezes até respirar dói.
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O mundo e as pessoas são diferentes vistos do fundo do poço; os gestos – ou a ausência deles – ganham dimensões às vezes amplificadas, às vezes distorcidas, como imagens vistas à distância num deserto escaldante. Por outro lado, se há uma vantagem no fundo do poço, é a nitidez com que se percebem os sentimentos, nossos e dos outros.
Amigos próximos que não dão sinal de vida talvez não sejam tão amigos ou tão próximos; conhecidos distantes, às vezes até geograficamente, revelam-se surpreendentemente próximos. No fundo do poço, qualquer carinho reverbera nas paredes e, como um eco, é por elas amplificado; um abraço mais apertado, um olhar que diz “Estou aqui”, um email. O silêncio, inversamente, escorre poço abaixo, como uma gosma gelada, criando dúvidas e distâncias onde, em circunstâncias normais, nada existiria. Mas, eu não sei se já disse, no fundo do poço não há circunstâncias normais.
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A vida não para no fundo do poço, mas se torna bastante difícil. Acordar é uma decisão penosa, e muitas vezes inútil: acorda-se na cama para pouco depois se adormecer no sofá. Nos dias bons dorme-se o tempo todo no fundo do poço, um sono pesado e sem sonhos. Nos dias ruins quase não se dorme, porque basta fechar os olhos para que os sonhos se transformem em pesadelos. Os dias bons, felizmente, são maioria.
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No fundo do poço o cérebro é, na melhor das hipóteses, um orgão inútil. Não serve para nada. É incapaz de se lembrar de um nome, de um número ou de tarefas a cumprir. Não consegue se concentrar o suficiente para a leitura de um livro, ou para que um filme faça sentido: no fundo do poço, um filme é apenas uma sucessão de imagens desconexas e desinteressantes, incapazes de segurar o olhar.
Reduzido ao seu nível mais primário de funcionamento, o cérebro serve apenas para executar tarefas simples, como jogar Angry Birds ou subir fotos para o Instagram.
Mas não me entendam mal: um cérebro imprestável desses é uma benção, porque nos dias em que funciona como deveria, o cérebro é a mais eficiente máquina de lembranças e pensamentos torturantes.
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Nada vale a pena no fundo do poço: sair de casa, andar pela cidade, ir ao shopping, criar ikebanas, montar quebra-cabeças. Dizem que exercício ajuda, mas para fazer exercício é preciso chegar à academia, e para chegar à academia é preciso sair de casa – sair de casa sendo, talvez, uma das coisas mais difíceis de se executar no fundo do poço. Até encontrar os amigos é complicado, porque as conversas se tornam tão difíceis de acompanhar quanto a atmosfera feliz que costuma reger tais encontros.
Viajar quebra um pouco essa rotina asfixiante, mas na verdade não resolve nada, apenas leva o fundo do poço para outra paisagem.
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Os gatos sabem o que é o fundo do poço e evitam perder seu bípede de vista. Fazem turnos de colo e de demonstrações de afeto e, à noite, esquecem suas eventuais divergências para dormir todos juntos na cama, formando uma pequena barreira de bigodes contra os maus espíritos.
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O fundo do poço tem poder. Quanto mais tempo se passa no fundo do poço, mais tempo se passa no fundo do poço. Lutar contra o fundo do poço é praticamente impossível. Pode-se fugir dele por pequenos intervalos de tempo, com simulacros mínimos de normalidade: acender bastõezinhos de incenso, fazer as unhas, passar hidratante, cortar o cabelo, usar perfume. Não adianta nada, mas despista.
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Só se pode ver o fundo do poço com a ajuda da indústria farmacêutica. A seco, o fundo do poço aperta o coração, corta a respiração e vira um buraco negro de dimensões e conseqüências inimagináveis. Um tarja preta bem receitado permite, porém, que se veja o fundo do poço como ele é – como se nos víssemos a nós mesmos de um outro plano, uma outra dimensão. O fundo do poço não desaparece, mas torna-se compreensível, uma esfinge enfim decifrada.
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Não se consegue chorar no fundo do poço."

(O Globo, Segundo Caderno, 31.3.2011)

Ainda não consigo ver o fundo do poço como ele é, mas já enxergo as paredes - e parece que, em sendo estreitas, talvez me permitam escalar...
Cora, substitua no texto Angry birds por QuadraPop(tm), e o Instagram pelo PhotoDJ(tm) e bem vinda (em termos) ao meu poço.

blog novo

casa de fazenda colonial
Casa antiga e aconchegante - feito o blog (imagem: google)
Falta do que fazer é uma merda, né? Mas não é isso não. Primeiro, deixa eu explicar. Se a Bruna Surfistinha, que tinha uma profissão bem mais light que a minha (pô, surfe é muito maneiro, super relaxante e tal, hehe...), e ainda tinha que desabafar sobre ele num blog, imagina eu? Depois que comecei a trabalhar para a cafetina-mor do Brasil, i.e. Secretaria de Educação do Estado, menino, muita coisa mudou. Tenho visto e ouvido muita coisa, assim como meu marido (que está se virando como taxista enquanto tenta concursos), e algumas situações são bastante, digamos, pitorescas. Por conta do meu trabalho, entrei em contato com muitos outros professores, que inclusive fazem blogs também, mas a maioria é direcionada para sua área de ensino, ou focada na luta do magistério por mais respeito e dignidade. São raros os que mostram o dia a dia da escola, da sala de aula nos blogs. Eles preferem transformar isso em queixas diárias e amargas ou comentários ácidos e ressentidos em fóruns de comunidades do Orkut. E eu, claro, que adoro pegar os limões que a vida me dá e fazer uma bela de uma caipirinha, resolvi que vai ser o meu próximo blog. E aí é que entra a razão. Não é falta do que fazer, é necessidade de fazer algo que supra o que me falta. Ariana que sou, tenho mil coisas na cabeça, e menos que isso é sinal de que vou ficar cinco minutos por dia sem fazer ou pensar em nada, e isso pra mim hoje é problemático. Reconheço que desde que comecei em idos de1999, os blogs (e a própria internet por extensão) já me ajudaram a sair de poucas e boas. Não por suas páginas, mas pela minha expressão através dela. Ora criando blogs, modificando layouts, ora criando publicidade e entrando em listas de discussão e comunidades para trocar idéias. A internet é um problema, um vício, sim, pra quem não entende. Ela não é solução, mas ela ajuda a criar soluções. E a solução para meu momento é essa:
Aries Horns


Enjoy!